É sempre assim.
Quando as águas dos redemoinhos da vida chegam ao pescoço do homem, e quase
afogado, ele levanta os braços pedindo socorro. O Senhor também estende seus
braços, que se transformam em regaço e refúgio para acolher, consolar e animar
o náufrago. É nesse momento que devemos levantar a voz em gratidão para cantar
a alegria de termos sidos salvos.
A maior parte das
transformações que uma pessoa pode experimentar na vida é através de um
desastre pessoal, como no caso de quem está afogando no mar de suas ilusões e
fantasias. Quando o homem avança precedido pelo prestigio, e seguido pelo
renome como uma sombra, pisando em terra sua, é difícil que se acabe sentindo
um pequeno deus. É o que Jesus dizia: “um grande proprietário poderia entrar no
reino dos céus, mas, como é difícil”(Mateus 19,24)
. Para entrar no reino o
homem tem que começar destruindo aos poços a própria estatua, tem que renunciar
os próprios delírios e fantasias, e tem que arrancar as máscaras, aceitando com
naturalidade a própria contingência e precariedade, apresentando-se diante de
Deus como uma criança, como um pobre e indigente.
Ao provar o contraste
entre a indigência humana, de um lado, e o amor gratuito que Deus nos oferece
nesses momentos de desvarios, do outro lado brota, impetuoso e festivo, no
coração do homem, este sentimento, mistura de fé, e segurança, que podemos
chamar de confiança. O pobre em vez
de deixar deprimir pelo próprio nada, com suas sequelas de amarguras, sente por
si mesmo uma secreta alegria, porque compreende que esse seu nada invoca, convoca e reclama, de certo
modo, até “merece” as riquezas da misericórdia de Deus Pai. Lindo, não?
Daí esse grito de
confiança que até parece um grito de onipotência: “O Senhor é minha luz e minha
salvação, a quem temerei?”. (Salmo 27). Percebemos que ouve um salto acrobático
do nada para o tudo, impulsionado por um coração cheio de exultação e desafio.
Parece um prelúdio das bem-aventuranças: os últimos e os carentes de tudo, e
justamente por causa dessa carência, receberão, por lei de compensação e de
graça, a plenitude da bondade infinita de Deus.
(Do livro: “Salmos para a vida”,
de Frei Inácio).